por John Knox
Conselhos saudáveis de uma carta de John Knox dirigida a seus irmãos na Escócia.
Meus queridos irmãos, não tanto para instruir-lhes
como deixar-lhes algo do testemunho de meu amor por vocês, eu considerei como
algo bom a comunicar-lhes meus débeis conselhos de como eu quero que se
conduzam no meio desta geração maligna e perversa, no que diz respeito ao
exercício da santíssima Palavra de Deus, sem a qual não se pode aumentar o
conhecimento, nem se pode desenvolver a piedade, nem pode continuar o fervor
espiritual entre vocês. Porque, assim como a Palavra de Deus é o princípio da
vida espiritual, sem a qual toda a carne está morta na presença de Deus, e como
é lâmpada para os nossos pés, sem cuja luz toda a posteridade de Adão anda em
trevas, e como é o fundamento da fé, sem a qual ninguém pode compreender a boa
vontade de Deus, assim também é o único órgão e instrumento que Deus usa para
fortalecer os fracos, para confortar os aflitos, para trazer debaixo de
misericórdia pelo arrependimento aqueles que se desviaram, e, finalmente, para
preservar e guardar a mesma vida na alma contra todos os ataques e tentações.
Portanto, se vocês querem que vosso conhecimento
cresça, que a vossa fé seja confirmada, que vossas consciências sejam
aquietadas e consoladas, e, finalmente, [que] a vida seja preservada em vossa
alma, cuidem de exercitarem-se frequentemente na lei do Senhor, vosso Deus. Não
tenhais em pouco estima os preceitos que Moisés deu aos israelitas com estas
palavras: “E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; e as
ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo
caminho, e deitando-te e levantando-te. Também as atarás por sinal na tua mão,
e te serão por frontais entre os teus olhos. E as escreverás nos umbrais de tua
casa, e nas tuas portas.” ( Deuteronômio 6:6-9 – ACF). E Moisés, em outro
lugar, ordenou-lhes para “lembrarem-se da lei do Senhor Deus, para cumpri-la,
para que lhes vá fosse bem a eles e a seus filhos na terra a qual o Senhor
vosso Deus lhes daria”. Dando a entender que, assim como frequentemente
recordar e repetir os preceitos de Deus é o meio pelo qual o temor de Deus (que
é o princípio da sabedoria e bem-aventurança), é mantido vivo na mente; assim
também a negligência e o esquecimento dos benefícios recebidos de Deus é o
primeiro passo para distanciar-se de Deus.
Agora, se a Lei, a qual, por causa de nossa
fraqueza, não opera nada mais do que raiva e fúria, foi tão eficaz (que
relembrada e repetida, para pratica-la) [que] trouxe ao povo uma bênção
corporal, o que diremos que não trará o glorioso Evangelho de Cristo Jesus quando
tratado com reverência? Paulo lhe chama de cheiro de vida para aqueles que
receberam a vida, usando a semelhança de ervas aromáticas e unguentos
preciosos, cuja natureza é que quanto mais estes são friccionadas exalam seu
aroma mais agradável e prazeroso; assim também, amados irmãos, é o bendito
Evangelho de Jesus, nosso Senhor. Porque quanto mais nos ocupamos dele, mais
confortável e agradável é para aqueles que o escutam, leem-no, ou se
exercitam no mesmo. Não ignoro, que como os filhos de Israel se enfastiaram do
maná, porque era o único que viam e comiam todos os dias, assim também agora há
alguns que depois de ler algumas porções da Escritura, se voltam de todo aos
escritores profanos ou escritos humanos. Porque a variedade de assuntos que
estes contêm trazem com e para eles deleite diário.
Por outro lado, dentro das
Escrituras de Deus não há muito adorno humano em si, a repetição de uma coisa
lhes é chata e cansativa. Confesso que essa tentação pode entrar até mesmo nos
eleitos por um tempo, porém é impossível que continue até o fim. Porque os
eleitos de Deus, além de outras características evidentes, possuem sempre esta
unida com as demais, que os eleitos de Deus são chamados para fora da
ignorância (falo dos que têm idade suficiente para compreender) para provar e
sentir um pouco da misericórdia de Deus, da qual nunca estão satisfeitos nesta
vida, mas que ocasionalmente têm fome e sede de comer o pão que desceu do céu e
de beber a água que salta para a vida eterna. O que não podem fazer, senão pelo
meio ou pelo instrumento da Fé, e a Fé sempre objetiva a vontade de Deus
revelada pela Palavra, de maneira que a Fé tem tanto o seu início como sua
continuação pela Palavra de Deus. E por isto eu digo, que é impossível que os
filhos escolhidos por Deus possam depreciar ou rejeitar a Palavra de sua
salvação por muito tempo, como tampouco podem enfastiar-se dela
definitivamente.
É coisa comum que os eleitos de Deus são mantidos
em tal escravidão e servidão, de modo que eles não podem conseguir que se lhes
conceda o pão da vida, como tampouco têm a liberdade para exercitar-se na
Palavra de Deus. Mas eles não se enfastiam, antes de bom grado anelam o
alimento da sua alma, antes acusam sua negligência anterior, e lamentarem a
aflição miserável de seus irmãos, e clamam e pedem em seus corações (e também
em público, onde eles podem) para que corram livremente ao Evangelho. Esta fome
e sede confirma que existe vida em suas almas. Mas se tais homens, que têm a
liberdade de ler e exercitarem-se a si mesmo nas Escrituras, começam a
fadigar-se porque quase sempre leem o mesmo, eu pergunto, por que não se cansam
também de comer o pão de cada dia? Por que não se cansam de beber vinho todos
os dias [não o tipo de bebidas alcoólicas de hoje]? Por que não se cansam de olhar
diariamente a luz do sol? Por que não se cansam de usar as demais criaturas de
Deus que mantêm diariamente sua própria substância, curso e natureza? Penso que
responderam: “Porque tais criaturas têm um poder [quantas vezes são usadas para
suprimir a fome e a sede e para infundir alento e forças e] para preservar a
vida.” Oh, criaturas miseráveis! Quem se atreve a atribuir mais poder e
força a criaturas corruptíveis para nutrir e preservar o corpo humano
mortal, do que à Palavra eterna de Deus para nutrir a alma que é imortal! O
querer arrazoar com sua ingratidão abominável não é o meu propósito agora.
Porém a vós outros, amados Irmãos, quero compartilhar meu conhecimento e lhes
abrir a minha consciência, que é tão necessário como é o uso de comida e da bebida
para preservar a vida do corpo, e assim como necessário é o calor e a luz do
sol para dar vida a erva e para dissipar as trevas, assim também é necessário
para a vida eterna, e para a iluminação e luz da alma, a meditação,
exercício e uso perpétuo da Sagrada Palavra de Deus.
Portanto, queridos Irmãos, se anelais a vida
vindoura, por necessidade devem exercitarem-se a si mesmos no Livro do
Senhor, vosso Deus. Que não haja nenhum dia que não recebais algum consolo da
boca de Deus. Abram seus ouvidos, e Ele falará coisas deleitosas ao vosso
coração. Não fechem seus olhos, antes com diligência contempleis que porção
substanciosa vos é deixada no Testamento de vosso Pai. Que suas línguas
aprendam a louvar a Sua terna bondade, em cuja, somente por misericórdia, vos
chamou das trevas para a luz, da morte para a vida. Tampouco façais isto tão
privadamente que não admita testemunhas. Não, irmãos, o Senhor Deus vos ordena
que vocês governem suas casas em verdadeiro temor, e de acordo com a Sua
Palavra.
Dentro de suas casas, digo, em alguns casos, sóis bispos e reis, sua
esposa, filhos e família são o vosso bispado e encargo. Disto se vos pedirá
conta de quanto cuidado e diligência usastes para instruí-los no verdadeiro
conhecimento de Deus, de como procurastes implantar virtudes e reprimir vícios.
Por tanto, digo, vocês devem faze-los participantes da leitura, da exortação e
da oração comuns, a qual deveria acontecer em cada casa pelos menos uma vez por
dia. Mas, acima de tudo, queridos irmãos, procurem praticar diariamente e viver
como manda a Palavra de Deus, e então vocês comprovarão que nunca ouvireis ou
lerei o mesmo sem que obtenhais algum fruto. Creio que isto é o suficiente para
os exercícios dentro de vossa casa.
Considerando-se que Paulo chama a igreja de “o
corpo de Cristo”, do qual cada um de nós é membro, e ensinando-nos com que
nenhum membro pode sustentar-se e alimentar-se sem a ajuda e o apoio de outro,
creio que é necessário que se tenham estudos e palestras sobre as Escrituras
como reuniões entre irmãos. Como Paulo dá a ordem a ser observada para isto [1Coríntios
14:26-29], somente quero salientar que, quando vos reunais, que seria bom
fazê-lo uma vez por semana, que seu início fosse confessando seus pecados e
implorando que o Espírito do Senhor os assista em todos os vossos projetos e
objetivos espirituais. Depois que se leia alguma porção das Escrituras de forma
clara e modesta, tanto quando se pense ser necessário para a ocasião ou tempo.
Quando terminar, se algum irmão tem exortação, pergunta ou dúvida, que não
tenha medo de falar ou trata-la ali mesmo, fazendo-o com moderação, seja para
edificar [a outros] ou para edificar-se. E sem dúvida disto virá grande
proveito. Porque, em primeiro lugar, o ouvir, ler e estudar as Escrituras
nestas reuniões ajudarão a examinar o juízo e a atitude das pessoas, sua
paciência e modéstia serão conhecidos e, finalmente, seus dons e expressões
serão manifestos. Por outro lado, deve ser evitado em todas as ocasiões e em
todos os lugares os falatórios vãos, as interpretações longas e aborrecidas e a
teimosia sobre pontos controversos . Mas acima de tudo, quando se reunirem como
igreja, ali nada deve ser considerado mais em conta do que a glória de Deus e o
consolo e edificação dos irmãos.
Se algo brota do contexto em discussão ou debate
que vosso juízo não pode resolver ou vossas faculdades não podem compreender,
que seja observado e escrito antes do final da reunião, para que quando Deus
proveja uma solução para o assunto, suas dúvidas que brotaram sejam resolvidas
com mais facilidade. Por outro lado, se vocês tem a oportunidade de escrever ou
se comunicar com outros, suas cartas manifestarão o vosso grande desejo por
Deus e por Sua verdadeira religião. Não duvido que eles, segundo seus talentos
se esforçarão e lhes concederão seu fiel trabalho para atender às suas
solicitações devotas. Quanto a mim mesmo falo o que eu penso: empregaria quinze
horas com muito bom gosto (segundo agrada a Deus iluminar-me) para lhes
explicar alguma porção das Escrituras, do que meia hora em outra coisa.
Ademais, eu gostaria que, na leitura das
Escrituras, tomem também alguns livros do Antigo Testamento e alguns do Novo,
como Gênesis e um dos Evangelhos, Êxodo com outro livro, etc., porém sempre
terminando [a leitura] dos livros que você começaram (segundo lhes permita o
tempo). Pois lhes confortará o ouvir a harmonia e a concordância do Espírito
Santo, falando através de nossos pais desde o princípio. Os confirmará nestes
dias perigosos o contemplar a face de Jesus Cristo, o amado esposo, e sua
igreja, desde de Abel até o próprio Cristo, e de Cristo até este dia, que há
unidade e um mesmo propósito em todas as gerações. Estudem com frequência os
profetas e as epístolas de Paulo. Pois a abundância de assuntos mui
consoladores que estão ali requerem exercício e uma boa memória.
Semelhantemente, assim como as vossas reuniões devem começar com a confissão e
súplica do Espírito de Deus, assim também deve acabar com ações de graças e
orações pelos governantes e magistrados, pela liberdade do Evangelho de Cristo,
que seja anunciado livremente, para o consolo e liberdade dos nossos irmãos que
ainda estão sob tirania e servidão, por outras coisas que o Espírito do Senhor
Jesus Cristo os ensine que vos é útil, seja para vós mesmos, ou para os seus
irmãos, onde quer que estejam.
Se assim for (ou até melhor) ouço que vos
exercitais a vós mesmos, queridos Irmãos, então louvarei a Deus por sua grande
obediência, como também para aqueles que receberam a palavra de graça não
somente com gozo, mas também com solicitude e diligência, e guardam a mesma
como um tesouro e uma joia preciosa. E porque eu não tenho suspeitas de que
fareis o contrário, não usarei de ameaças. Bem, a minha sincera esperança é que
vocês andem em meio a esta geração perversa como filhos da luz, que sereis como
estrelas à noite (que não são envolvidas pelas trevas), que sereis como o trigo
entre o joio, e que sem embaraço não mudareis vossa natureza que recebestes
pela graça, através da comunhão e participação que temos com o Senhor Jesus
Cristo em Seu corpo e em Seu sangue. E, finalmente, que sereis do número das
virgens prudentes, que diariamente granjeiam e enchem suas lâmpadas com azeite,
enquanto aguardam pacientemente a aparição gloriosa e vinda do Senhor Jesus
Cristo, cujo Espírito onipotente governe e instrua, ilumine e conforte suas
mentes e corações em toda provação, agora e sempre. Amém.
A graça do Senhor Jesus Cristo seja convosco.
Lembrem-se de minhas fraquezas em suas orações. 07 julho de 1556.
Vosso sincero irmão,
JOHN KNOX
Lembrem-se de minhas fraquezas em suas orações. 07 julho de 1556.
Vosso sincero irmão,
JOHN KNOX
Via: O Estandarte de Cristo
Fonte: IglesiaReformada.comTradução do espanhol: William Teixeira
Revisão: Camila Rebeca Almeida